domingo, 25 de setembro de 2016
Projeto Biblioteca Digital Escolas Plurais
Projeto Biblioteca Digital Escolas Plurais
A Biblioteca Digital Escolas Plurais disponibiliza materiais didáticos, em formatos diversos, enfocando as temáticas de gênero, corpo e sexualidade, para o trabalho com relações de gênero e diversidade sexual na educação básica e outros contextos educativos. Pretende pesquisar, receber, avaliar e disponibilizar continuamente, novos materiais, enviados por educadoras e educadores de todo o país, contribuindo para alimentar processos de criação e experimentação na formação docente e discente.
O projeto, desenvolvido inicialmente em 2008, pelo Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Ação sobre Mulher e Relações de Sexo e Gênero - NIPAM da Universidade Federal da Paraíba - UFPB, contou com apoio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade – SECAD do Ministério da Educação.
HOMEM.COM.H
Mostra situações da vida de um casal que faz refletir sobre o papel do homem na nossa sociedade.
Temas: o conceito de masculinidade e o machismo.
ECOS - Comunicação em Sexualidade Rua Araújo, 124 - Vila Buarque - 2º andar - CEP 01220-020 - São Paulo/SP - Brasil Tel. 11-3255-1238 - ecos@ecos.org.br
SEXO SEM VERGONHA
O curta-metragem é especialmente direcionado ao educador e à educadora que quer iniciar o trabalho de educação sexual em sala de aula. Apresenta as inseguranças e dificuldades dos educadores ao falar sobre sexualidade em sala de aula e traz dicas de como integrar o tema da sexualidade às diversas matérias da grade escolar. Procurando quebrar alguns estereótipos construídos pela nossa sociedade.
Temas: noções de relações de gênero, respeito à diversidade sexual, abertura ao diálogo.
ECOS - Comunicação em Sexualidade Rua Araújo, 124 - Vila Buarque - 2º andar - CEP 01220-020 - São Paulo/SP - Brasil Tel. 11-3255-1238 - ecos@ecos.org.br
https://vimeo.com/131806061
Temas: noções de relações de gênero, respeito à diversidade sexual, abertura ao diálogo.
ECOS - Comunicação em Sexualidade Rua Araújo, 124 - Vila Buarque - 2º andar - CEP 01220-020 - São Paulo/SP - Brasil Tel. 11-3255-1238 - ecos@ecos.org.br
https://vimeo.com/131806061
Julieta e Romeu (Brasil, Ecos, 1995)
- Dica de filme!
De uma maneira descontraída e divertida, as fantasias, as dúvidas, os erros os acertos da iniciação sexual na adolescência são mostrados através do namoro de Julieta e Romeu.
Escola sem homofobia: construindo para a diversidade
Vídeo educativo centrado nas oficinas realizadas com professores da Rede Pública de Ensino de Nova Iguaçu e Duque de Caxias sobre a temática da homossexualidade nas escolas. Mostra como a vivência na escola pode ser um caminho para o exercício da cidadania plena e um ambiente de respeito à diversidade sexual. Essas oficinas fizeram parte do projeto Escola sem Homofobia: trabalhando a diversidade sexual com professores da Rede Pública de Ensino de Nova Iguaçu e Duque de Caxias que a Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA), em parceria com a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade Ministério da Educação (Secad/MEC), a Secretaria estadual de Educação do Rio de Janeiro e as Secretarias Municipais de Educação de Duque de Caxias e Nova Iguaçu, realizou com os professores de 5ª a 8ª ano do ensino
fundamental.
Documentário: "O riso dos outros: o humor tem limites:"
O riso dos outros: o humor tem limites?
Revista Espaço Acadêmico ENSAIOS SOBRE CINE ANTONIO OZAÍ DA SILVA *
O riso dos outros é o título do documentário dirigido por Pedro Arantes, financiado pela TV Câmara.[1] O documentário centra-se no Stand-up, ou seja, comediantes que se apresentam individualmente sem outros recursos e acessórios além da voz, e, geralmente, em pé, dirigem-se à platéia (daí o termo). Alyson Vilela, Ana Maria Gonçalves, Antonio Prata, Arnaldo Branco, Bem Ludmer, Danilo Gentili, Fábio Rabin, Fernando Caruso, Gabriel Grosvald, Hugo Possolo, Idelber Avelar, Jean Wyllys, Laerte Coutinho, Lola Aronovich, Marcela Leal, Mariana Armellini, Maurício Meirelles, Nanny People, Rafinha Bastos, Renata Moreno, entre outros, são os entrevistados.
Afinal, existem limites para o humor? Piadas ofendem, ferem o politicamente correto? O argumento “É só uma piada!” é válido para qualquer circunstância, ainda que expresse o racismo, o sexismo, o preconceito contra as minorias e indivíduos? Piadas preconceituosas contra negros, mulheres, gays, lésbicas, gordos, deficientes físicos, etc. são engraçadas? Por que provocam o riso? Quem ri é cúmplice ou o humorista apenas expressa os valores presentes na sociedade? Se é ofensivo não deveria ser proibido? Quem define o limite entre a liberdade de expressão e a ofensa preconceituosa? O politicamente correto? Este não é uma forma de policiamento ideológico, social e político? Então, em nome da “senhora liberdade” tudo é permitido? Até mesmo o riso profano que ridiculariza o sagrado?[2]
O fundamento do humor
O humor, seja qual for o seu objeto, não se explica apenas pela capacidade individual de criação. Seu fundamento é os valores compartilhados socialmente. O humorista não é um indivíduo isolado, mas um ser social. A linguagem do comediante não é axiologicamente neutra. Todo discurso tem raízes na sociedade. Nem a piada nem o riso ocorrem no vácuo, seus alicerces são culturais, sociais, políticos e ideológicos. Quem fala, fala de um lugar determinado, está consciente do que pronuncia, espera um determinado efeito: provocar o riso. Quem ri também o faz conscientemente, e ao fazê-lo reforça a mensagem. Neste sentido, nem a fala nem o riso são naturais. O fundamento é social.
O preconceito, portanto, está na sociedade. O humor dialoga com o preconceito, mas este diálogo não está livre de tensões. O humor pode reforçar – ou não – os estereótipos. Ele busca o reconhecimento, o aplauso e o riso. Seu gozo advém da capacidade de conquistar. Qual é o caminho mais fácil? Para muitos, a forma mais fácil de provocar risadas é investir no preconceito, nos estereótipos. Se estes são compartilhados pela maioria, basta falar o que a maioria quer ouvir. O humorista desresponsabiliza-se com o argumento de que resgata algo já inculcado pelo ouvinte. Ou seja, ele apenas despertou algo – um valor, um sentimento – na mente de quem riu. Tá na cabeça de quem ri! E não está na cabeça de quem faz a piada? Isto significa descomprometer-se, imaginar que o discurso elaborado é neutro e/ou apenas reproduz os valores dos outros. A piada sobre a Preta Gil é um exemplo sutil de como o comediante se desresponsabiliza e transfere o ônus para o público. Ao arrancar risadas, Danilo Gentili diz que a platéia não deveria ter rido. Mas, por que ele conta a piada? Ora, porque o público ri. Conclui, então, que o f.d.p é quem ri. “Não eu!”, afirma Gentili.
Os preconceitos arraigados na sociedade fornecem material abundante para os piadistas. O humor é cruel, caricatural. Expõe defeitos, limitações e faz rir; mas insulta! O humor insultante, preconceituoso parece o mais fácil, o que menos criatividade exige. Basta reproduzir o conservadorismo da maioria em forma de piada! Por isso, é o humor em seu nível mais baixo. Da mesma forma que encontra platéias numerosas que riem das mesmas piadas de sempre, também encontra defensores. Argumenta-se que este tipo de humor simplesmente colhe o pensamento existente e o reproduz de uma forma “engraçada”. Convenhamos, o argumento de que o humorista não é responsável pelas mazelas da sociedade, mas apenas o expressa, é forte. Não se deve, portanto, culpabilizá-lo. Neste raciocínio, seria exagero falarmos em humor preconceituoso.
Não se trata, porém, de culpar mas sim da reflexão. “A gente ri e isso faz parte da vida. Mas a gente também pensa sobre coisas. A culpa é um sentimento castrador. Não precisa se culpar, basta refletir”, afirma Pedro Arantes.[3] O diretor do documentário se refere às situações em que rimos de uma piada que, de fato, revela-se preconceituosa. “Mais jovem, eu ria muito de piada de gay. Hoje em dia, já tendo pensado sobre isso, eu realmente não acho mais graça. Você faz essa elaboração na sua cabeça e a partir daí você passa a não achar mais engraçado”, diz ele.[4] De fato, todos estamos sujeitos a deslizes. Mas não é o caso do preconceituoso empedernido, daquele que introjetou valores conservadores. Para este tipo, as minorias sempre serão um alvo de riso. E sem culpa! Por outro lado, deve-se considerar o papel do humorista. É muito simples partir do pressuposto de que ele apenas expressa o que a maioria pensa. Primeiro, ele também é educado pela mesma sociedade que forja e cristaliza tais pensamentos. Como garantir que ele também não incorpora o discurso que pronuncia ao seu público?! Segundo, se a reflexão é necessária, é lícito indagarmos se e em que medida reprodutores de preconceitos fortalecem valores preconceituosos ou se contribuem para a indagação reflexiva sobre os mesmos. De qualquer forma, não há graça alguma para quem sofre as ofensas em forma de humor!
É bem mais difícil elaborar o humor que seja instigante. Exige criatividade, trabalho e superação dos lugares e senso comum. Será que não é possível fazer humor sem humilhar o outro? O humor também pode contribuir no sentido de levar à reflexão sobre os preconceitos e mostrar o ridículo da postura preconceituosa. Se, como afirma Danilo Gentili, “Toda piada tem um alvo”, uma vítima, qual e quem deve sê-lo? Será que o único critério válido é “se for engraçado”, como argumenta Gentili? Como este “alvo” deve ser trabalhado, tratado? Se o humor pressupõe a crítica, o que deve ser criticado? Como esta crítica deve ser elaborada? Criticar “alvos” sem condições de defesa é fácil. É mais difícil criticar a autoridade.
O humor machista para consumo do público é reproduzido na relação interna entre os que se envolvem com esta atividade. Também neste aspecto, expressa a realidade social. Os homens predominam e, segundo o depoimento da comediante Nany People, as mulheres reproduzem os valores do universo masculino. As piadas sobre mulheres expostas no documentário mostra bem o caldo cultural sexista. Aliás, talvez seja exagero denominar tais falas como “piadas”. Não há graça, mas desrespeito. Não é preciso ser feminista para convencer-se do risível que é repetir chavões dos tataravôs, basta apenas ter senso de reflexão crítica. Há alguma graça em, por exemplo, afirmar que a mulher feia que sofreu estupro deveria agradecer pela oportunidade? Estupro é um tema para piadistas? No entanto, piadas como esta e outras pérolas humorísticas provocam risos – inclusive entre as mulheres.
A mesma sociedade que legitima valores machistas, racistas, homofóbicos, etc., contesta-os. Os “alvos” e “vítimas” deste tipo de humor organizam-se, reagem e exigem respeito. Mas não é patrulhamento da liberdade de expressão?! Não há temas proibidos, nem se trata de proibir. A questão é a forma que assume o discurso. Se este é ofensivo e quem se ofende é capaz de reagir coletivamente, é legítimo. A liberdade de expressão não se dá no vácuo, mas em tensão com o contexto social, político, cultural, histórico. Também o comediante não é neutro, ele precisa saber de que lado está. As piadas podem, inclusive, levar a pensar sobre as minorias, o racismo, o sexismo, etc.
O politicamente correto é chato? Quem contesta é careta? Mas é correto insistir em reproduzir os preconceitos? Quem cunhou o termo politicamente correto, a quem interessa? A questão é polêmica e aparenta ser uma forma de desviar-se do principal. O fato é que antes mesmo do surgimento e propagação dopoliticamente correto, as piadas racistas, preconceituosas, etc. existiam e não perderam este caráter. Em outras palavras, o racismo, sexismo, xenofobismo, homofobia, etc., são realidades no passado e no presente. A discussão sobre opoliticamente correto desvia o foco. Uma piada racista permanece com o mesmo conteúdo e significado. Como afirma Mariana Armellini:“Chamar um negro de macaco não é e nunca foi engraçado”. Se palavra desqualifica, quem a utiliza tem consciência. Não é suficiente acusar quem não aceita o racismo e qualquer tipo de preconceito de expressar a ditadura do politicamente correto. Ainda que seja considerado “chato”, “careta”, etc., a reação é legítima.
A prática social questionadora do discurso racista, sexista, homofóbico, etc. não dirige-se apenas àquele que faz piadas de mal gosto, mas expressa o questionamento legítimo de setores da sociedade em relação a outras práticas sociais, culturais e classistas que legitimam o discurso hegemônico aceito pela maioria. A tensão do politicamente correto é expressão desse movimento histórico de não aceitação dessa hegemonia.
A grita contra o politicamente correto é também uma forma de não aceitar a crítica. Isto, em nome da liberdade de expressão ilimitada. Mas a liberdade ilimitada só existe na cabeça de quem se acredita acima das leis, normas, convenções sociais, etc. Por exemplo, racismo é crime. Então, a pretensa liberdade de expressão do comediante que adota o discurso racista revela-se ilusão. A contestação do discurso e práticas preconceituosas está tão relacionada à liberdade de expressão quando a fala contestada. O comediante tem a liberdade de fazer a piada, mas deve saber que não está acima da lei, do bem e do mal, menos ainda livre da contestação. Como diz Jean Wyllys: “As liberdades têm limites”.
Não, nem sempre “É só uma piada!”, como proclama Rafinha Bastos e outros. A piada é concebida como desprovida de conteúdo ideológico, político, social, etc. É tratada como a piada em si, neutra. “É um insulto!, responde Lola Aronovich. Sim, uma piada preconceituosa não é apenas uma piada. A manifestação do artista reforça preconceitos ou contribui para questioná-los. Não é um discurso neutro, apolítico. Quem se imagina apolítico, tem uma compreensão simplista da política, restringindo-se à esfera institucional. Como diria Brecht é um “analfabeto político”! De qualquer forma, o que chama a atenção em tudo isto é o fato de as pessoas ainda rirem deste tipo de piada! Não tem graça! No entanto, o riso da maioria inebria e parece legitimar o comediante que diz o que o povo quer ouvir. E ele ainda fica com a impressão de que faz sucesso. Mas, como alerta Hugo Possolo, “Quem se curva demais ao público fica de quatro pra ele”.
* ANTONIO OZAÍ DA SILVA é professor do Departamento de Ciências Sociais – Universidade Estadual de Maringá (DCS/UEM) e Doutor em Educação (USP). Blog:http://antoniozai.wordpress.com
[1] Documentário, Brasil, 2012, 52 min. – Direção: Pedro Arantes. Disponível emhttp://www2.camara.leg.br/camaranoticias/tv/materias/DOCUMENTARIOS/429921-O-RISO-DOS-OUTROS-(DIRECAO-PEDRO-ARANTES).html e/ouhttp://www.youtube.com/watch?v=LTxtEZGp58g
[2] Ver: SILVA, A. O. Entre o sagrado e o profano: o interdito ao riso. REA, nº 58, março de 2006, disponível emhttp://www.espacoacademico.com.br/058/58ozai.htm
[3] “TÁ RINDO DE QUÊ?” (Entrevista). Revista Trip, 03/12/2012, disponível emhttp://revistatrip.uol.com.br/so-no-site/entrevistas/ta-rindo-de-que.html
[4] Idem.
Revista Espaço Acadêmico ENSAIOS SOBRE CINE ANTONIO OZAÍ DA SILVA *
O riso dos outros é o título do documentário dirigido por Pedro Arantes, financiado pela TV Câmara.[1] O documentário centra-se no Stand-up, ou seja, comediantes que se apresentam individualmente sem outros recursos e acessórios além da voz, e, geralmente, em pé, dirigem-se à platéia (daí o termo). Alyson Vilela, Ana Maria Gonçalves, Antonio Prata, Arnaldo Branco, Bem Ludmer, Danilo Gentili, Fábio Rabin, Fernando Caruso, Gabriel Grosvald, Hugo Possolo, Idelber Avelar, Jean Wyllys, Laerte Coutinho, Lola Aronovich, Marcela Leal, Mariana Armellini, Maurício Meirelles, Nanny People, Rafinha Bastos, Renata Moreno, entre outros, são os entrevistados.
Afinal, existem limites para o humor? Piadas ofendem, ferem o politicamente correto? O argumento “É só uma piada!” é válido para qualquer circunstância, ainda que expresse o racismo, o sexismo, o preconceito contra as minorias e indivíduos? Piadas preconceituosas contra negros, mulheres, gays, lésbicas, gordos, deficientes físicos, etc. são engraçadas? Por que provocam o riso? Quem ri é cúmplice ou o humorista apenas expressa os valores presentes na sociedade? Se é ofensivo não deveria ser proibido? Quem define o limite entre a liberdade de expressão e a ofensa preconceituosa? O politicamente correto? Este não é uma forma de policiamento ideológico, social e político? Então, em nome da “senhora liberdade” tudo é permitido? Até mesmo o riso profano que ridiculariza o sagrado?[2]
O fundamento do humor
O humor, seja qual for o seu objeto, não se explica apenas pela capacidade individual de criação. Seu fundamento é os valores compartilhados socialmente. O humorista não é um indivíduo isolado, mas um ser social. A linguagem do comediante não é axiologicamente neutra. Todo discurso tem raízes na sociedade. Nem a piada nem o riso ocorrem no vácuo, seus alicerces são culturais, sociais, políticos e ideológicos. Quem fala, fala de um lugar determinado, está consciente do que pronuncia, espera um determinado efeito: provocar o riso. Quem ri também o faz conscientemente, e ao fazê-lo reforça a mensagem. Neste sentido, nem a fala nem o riso são naturais. O fundamento é social.
O preconceito, portanto, está na sociedade. O humor dialoga com o preconceito, mas este diálogo não está livre de tensões. O humor pode reforçar – ou não – os estereótipos. Ele busca o reconhecimento, o aplauso e o riso. Seu gozo advém da capacidade de conquistar. Qual é o caminho mais fácil? Para muitos, a forma mais fácil de provocar risadas é investir no preconceito, nos estereótipos. Se estes são compartilhados pela maioria, basta falar o que a maioria quer ouvir. O humorista desresponsabiliza-se com o argumento de que resgata algo já inculcado pelo ouvinte. Ou seja, ele apenas despertou algo – um valor, um sentimento – na mente de quem riu. Tá na cabeça de quem ri! E não está na cabeça de quem faz a piada? Isto significa descomprometer-se, imaginar que o discurso elaborado é neutro e/ou apenas reproduz os valores dos outros. A piada sobre a Preta Gil é um exemplo sutil de como o comediante se desresponsabiliza e transfere o ônus para o público. Ao arrancar risadas, Danilo Gentili diz que a platéia não deveria ter rido. Mas, por que ele conta a piada? Ora, porque o público ri. Conclui, então, que o f.d.p é quem ri. “Não eu!”, afirma Gentili.
Os preconceitos arraigados na sociedade fornecem material abundante para os piadistas. O humor é cruel, caricatural. Expõe defeitos, limitações e faz rir; mas insulta! O humor insultante, preconceituoso parece o mais fácil, o que menos criatividade exige. Basta reproduzir o conservadorismo da maioria em forma de piada! Por isso, é o humor em seu nível mais baixo. Da mesma forma que encontra platéias numerosas que riem das mesmas piadas de sempre, também encontra defensores. Argumenta-se que este tipo de humor simplesmente colhe o pensamento existente e o reproduz de uma forma “engraçada”. Convenhamos, o argumento de que o humorista não é responsável pelas mazelas da sociedade, mas apenas o expressa, é forte. Não se deve, portanto, culpabilizá-lo. Neste raciocínio, seria exagero falarmos em humor preconceituoso.
Não se trata, porém, de culpar mas sim da reflexão. “A gente ri e isso faz parte da vida. Mas a gente também pensa sobre coisas. A culpa é um sentimento castrador. Não precisa se culpar, basta refletir”, afirma Pedro Arantes.[3] O diretor do documentário se refere às situações em que rimos de uma piada que, de fato, revela-se preconceituosa. “Mais jovem, eu ria muito de piada de gay. Hoje em dia, já tendo pensado sobre isso, eu realmente não acho mais graça. Você faz essa elaboração na sua cabeça e a partir daí você passa a não achar mais engraçado”, diz ele.[4] De fato, todos estamos sujeitos a deslizes. Mas não é o caso do preconceituoso empedernido, daquele que introjetou valores conservadores. Para este tipo, as minorias sempre serão um alvo de riso. E sem culpa! Por outro lado, deve-se considerar o papel do humorista. É muito simples partir do pressuposto de que ele apenas expressa o que a maioria pensa. Primeiro, ele também é educado pela mesma sociedade que forja e cristaliza tais pensamentos. Como garantir que ele também não incorpora o discurso que pronuncia ao seu público?! Segundo, se a reflexão é necessária, é lícito indagarmos se e em que medida reprodutores de preconceitos fortalecem valores preconceituosos ou se contribuem para a indagação reflexiva sobre os mesmos. De qualquer forma, não há graça alguma para quem sofre as ofensas em forma de humor!
É bem mais difícil elaborar o humor que seja instigante. Exige criatividade, trabalho e superação dos lugares e senso comum. Será que não é possível fazer humor sem humilhar o outro? O humor também pode contribuir no sentido de levar à reflexão sobre os preconceitos e mostrar o ridículo da postura preconceituosa. Se, como afirma Danilo Gentili, “Toda piada tem um alvo”, uma vítima, qual e quem deve sê-lo? Será que o único critério válido é “se for engraçado”, como argumenta Gentili? Como este “alvo” deve ser trabalhado, tratado? Se o humor pressupõe a crítica, o que deve ser criticado? Como esta crítica deve ser elaborada? Criticar “alvos” sem condições de defesa é fácil. É mais difícil criticar a autoridade.
O humor machista para consumo do público é reproduzido na relação interna entre os que se envolvem com esta atividade. Também neste aspecto, expressa a realidade social. Os homens predominam e, segundo o depoimento da comediante Nany People, as mulheres reproduzem os valores do universo masculino. As piadas sobre mulheres expostas no documentário mostra bem o caldo cultural sexista. Aliás, talvez seja exagero denominar tais falas como “piadas”. Não há graça, mas desrespeito. Não é preciso ser feminista para convencer-se do risível que é repetir chavões dos tataravôs, basta apenas ter senso de reflexão crítica. Há alguma graça em, por exemplo, afirmar que a mulher feia que sofreu estupro deveria agradecer pela oportunidade? Estupro é um tema para piadistas? No entanto, piadas como esta e outras pérolas humorísticas provocam risos – inclusive entre as mulheres.
A mesma sociedade que legitima valores machistas, racistas, homofóbicos, etc., contesta-os. Os “alvos” e “vítimas” deste tipo de humor organizam-se, reagem e exigem respeito. Mas não é patrulhamento da liberdade de expressão?! Não há temas proibidos, nem se trata de proibir. A questão é a forma que assume o discurso. Se este é ofensivo e quem se ofende é capaz de reagir coletivamente, é legítimo. A liberdade de expressão não se dá no vácuo, mas em tensão com o contexto social, político, cultural, histórico. Também o comediante não é neutro, ele precisa saber de que lado está. As piadas podem, inclusive, levar a pensar sobre as minorias, o racismo, o sexismo, etc.
O politicamente correto é chato? Quem contesta é careta? Mas é correto insistir em reproduzir os preconceitos? Quem cunhou o termo politicamente correto, a quem interessa? A questão é polêmica e aparenta ser uma forma de desviar-se do principal. O fato é que antes mesmo do surgimento e propagação dopoliticamente correto, as piadas racistas, preconceituosas, etc. existiam e não perderam este caráter. Em outras palavras, o racismo, sexismo, xenofobismo, homofobia, etc., são realidades no passado e no presente. A discussão sobre opoliticamente correto desvia o foco. Uma piada racista permanece com o mesmo conteúdo e significado. Como afirma Mariana Armellini:“Chamar um negro de macaco não é e nunca foi engraçado”. Se palavra desqualifica, quem a utiliza tem consciência. Não é suficiente acusar quem não aceita o racismo e qualquer tipo de preconceito de expressar a ditadura do politicamente correto. Ainda que seja considerado “chato”, “careta”, etc., a reação é legítima.
A prática social questionadora do discurso racista, sexista, homofóbico, etc. não dirige-se apenas àquele que faz piadas de mal gosto, mas expressa o questionamento legítimo de setores da sociedade em relação a outras práticas sociais, culturais e classistas que legitimam o discurso hegemônico aceito pela maioria. A tensão do politicamente correto é expressão desse movimento histórico de não aceitação dessa hegemonia.
A grita contra o politicamente correto é também uma forma de não aceitar a crítica. Isto, em nome da liberdade de expressão ilimitada. Mas a liberdade ilimitada só existe na cabeça de quem se acredita acima das leis, normas, convenções sociais, etc. Por exemplo, racismo é crime. Então, a pretensa liberdade de expressão do comediante que adota o discurso racista revela-se ilusão. A contestação do discurso e práticas preconceituosas está tão relacionada à liberdade de expressão quando a fala contestada. O comediante tem a liberdade de fazer a piada, mas deve saber que não está acima da lei, do bem e do mal, menos ainda livre da contestação. Como diz Jean Wyllys: “As liberdades têm limites”.
Não, nem sempre “É só uma piada!”, como proclama Rafinha Bastos e outros. A piada é concebida como desprovida de conteúdo ideológico, político, social, etc. É tratada como a piada em si, neutra. “É um insulto!, responde Lola Aronovich. Sim, uma piada preconceituosa não é apenas uma piada. A manifestação do artista reforça preconceitos ou contribui para questioná-los. Não é um discurso neutro, apolítico. Quem se imagina apolítico, tem uma compreensão simplista da política, restringindo-se à esfera institucional. Como diria Brecht é um “analfabeto político”! De qualquer forma, o que chama a atenção em tudo isto é o fato de as pessoas ainda rirem deste tipo de piada! Não tem graça! No entanto, o riso da maioria inebria e parece legitimar o comediante que diz o que o povo quer ouvir. E ele ainda fica com a impressão de que faz sucesso. Mas, como alerta Hugo Possolo, “Quem se curva demais ao público fica de quatro pra ele”.
* ANTONIO OZAÍ DA SILVA é professor do Departamento de Ciências Sociais – Universidade Estadual de Maringá (DCS/UEM) e Doutor em Educação (USP). Blog:http://antoniozai.wordpress.com
[1] Documentário, Brasil, 2012, 52 min. – Direção: Pedro Arantes. Disponível emhttp://www2.camara.leg.br/camaranoticias/tv/materias/DOCUMENTARIOS/429921-O-RISO-DOS-OUTROS-(DIRECAO-PEDRO-ARANTES).html e/ouhttp://www.youtube.com/watch?v=LTxtEZGp58g
[2] Ver: SILVA, A. O. Entre o sagrado e o profano: o interdito ao riso. REA, nº 58, março de 2006, disponível emhttp://www.espacoacademico.com.br/058/58ozai.htm
[3] “TÁ RINDO DE QUÊ?” (Entrevista). Revista Trip, 03/12/2012, disponível emhttp://revistatrip.uol.com.br/so-no-site/entrevistas/ta-rindo-de-que.html
[4] Idem.
Acorda Raimundo... Acorda!
Acorda Raimundo... Acorda!
(Brasil, de Alfredo Alves, Ibase, 1990, 15 min) - E se as mulheres saíssem para o trabalho enquanto os homens cuidam dos afazeres domésticos? Esta é a história de Maria e Raimundo, uma família operária, seus conflitos, a violência familiar e o machismo vividos em um mundo onde tudo acontece ao contrário.
"Chimamanda Adichie: O Perigo da História Única"
Eu sou uma contadora de histórias e gostaria de contar a vocês algumas histórias pessoais sobre o que eu gosto de chamar "o perigo de uma história única." Eu cresci num campus universitário no leste da Nigéria. Minha mãe diz que eu comecei a ler com 2 anos, mas eu acho que 4 é provavelmente mais próximo da verdade. Então, eu fui uma leitora precoce. E o que eu lia eram livros infantis britânicos e americanos.
0:38Eu fui também uma escritora precoce. E quando comecei a escrever, por volta dos 7 anos, histórias com ilustrações em giz de cera, que minha pobre mãe era obrigada a ler, eu escrevia exatamente os tipos de histórias que eu lia. Todos os meus personagens eram brancos de olhos azuis. Eles brincavam na neve. Comiam maçãs.(Risos) E eles falavam muito sobre o tempo, em como era maravilhoso o sol ter aparecido. (Risos) Agora, apesar do fato que eu morava na Nigéria. Eu nunca havia estado fora da Nigéria. Nós não tínhamos neve, nós comíamos mangas. E nós nunca falávamos sobre o tempo porque não era necessário.
1:25Meus personagens também bebiam muita cerveja de gengibre porque as personagens dos livros britânicos que eu lia bebiam cerveja de gengibre. Não importava que eu não tinha a mínima ideia do que era cerveja de gengibre. (Risos) E por muitos anos depois, eu desejei desesperadamente experimentar cerveja de gengibre. Mas isso é uma outra história.
1:43A meu ver, o que isso demonstra é como nós somos impressionáveis e vulneráveis face a uma história, principalmente quando somos crianças. Porque tudo que eu havia lido eram livros nos quais as personagens eram estrangeiras, eu convenci-me de que os livros, por sua própria natureza, tinham que ter estrangeiros e tinham que ser sobre coisas com as quais eu não podia me identificar. Bem, as coisas mudaram quando eu descobri os livros africanos. Não havia muitos disponíveis e eles não eram tão fáceis de encontrar quanto os livros estrangeiros,
2:14mas devido a escritores como Chinua Achebe e Camara Laye eu passei por uma mudança mental em minha percepção da literatura. Eu percebi que pessoas como eu,meninas com a pele da cor de chocolate, cujos cabelos crespos não poderiam formar rabos-de-cavalo, também podiam existir na literatura. Eu comecei a escrever sobre coisas que eu reconhecia.
2:35Bem, eu amava aqueles livros americanos e britânicos que eu lia. Eles mexiam com a minha imaginação, me abriam novos mundos. Mas a consequência inesperada foi que eu não sabia que pessoas como eu podiam existir na literatura. Então o que a descoberta dos escritores africanos fez por mim foi: salvou-me de ter uma única história sobre o que os livros são.
2:58Eu venho de uma família nigeriana convencional, de classe média. Meu pai era professor. Minha mãe, administradora. Então nós tínhamos, como era normal,empregada doméstica, que frequentemente vinha das aldeias rurais próximas. Então, quando eu fiz 8 anos, arranjamos um novo menino para a casa. Seu nome era Fide. A única coisa que minha mãe nos disse sobre ele foi que sua família era muito pobre.Minha mãe enviava inhames, arroz e nossas roupas usadas para sua família. E quando eu não comia tudo no jantar, minha mãe dizia: "Termine sua comida! Você não sabe que pessoas como a família de Fide não tem nada?" Então eu sentia uma enorme pena da família de Fide.
3:42Então, um sábado, nós fomos visitar a sua aldeia e sua mãe nos mostrou um cesto com um padrão lindo, feito de ráfia seca por seu irmão. Eu fiquei atônita! Nunca havia pensado que alguém em sua família pudesse realmente criar alguma coisa. Tudo que eu tinha ouvido sobre eles era como eram pobres, assim havia se tornado impossível pra mim vê-los como alguma coisa além de pobres. Sua pobreza era minha história única sobre eles.
4:12Anos mais tarde, pensei nisso quando deixei a Nigéria para cursar universidade nos Estados Unidos. I tinha 19 anos. Minha colega de quarto americana ficou chocada comigo. Ela perguntou onde eu tinha aprendido a falar inglês tão bem e ficou confusa quando eu disse que, por acaso, a Nigéria tinha o inglês como sua língua oficial. Ela perguntou se podia ouvir o que ela chamou de minha "música tribal" e, consequentemente, ficou muito desapontada quando eu toquei minha fita da Mariah Carey. (Risos) Ela presumiu que eu não sabia como usar um fogão.
4:49O que me impressionou foi que: ela sentiu pena de mim antes mesmo de ter me visto.Sua posição padrão para comigo, como uma africana, era um tipo de arrogância bem intencionada, piedade. Minha colega de quarto tinha uma única história sobre a África.Uma única história de catástrofe. Nessa única história não havia possibilidade de os africanos serem iguais a ela, de jeito nenhum. Nenhuma possibilidade de sentimentos mais complexos do que piedade. Nenhuma possibilidade de uma conexão como humanos iguais.
5:20Eu devo dizer que antes de ir para os Estados Unidos, eu não me identificava, conscientemente, como uma africana. Mas nos EUA, sempre que o tema África surgia, as pessoas recorriam a mim. Não importava que eu não sabia nada sobre lugares como a Namíbia. Mas eu acabei por abraçar essa nova identidade. E, de muitas maneiras, agora eu penso em mim mesma como uma africana. Entretanto, ainda fico um pouco irritada quando referem-se à África como um país. O exemplo mais recente foi meu maravilhoso voo dos Lagos 2 dias atrás, não fosse um anúncio de um voo da Virgin sobre o trabalho de caridade na "Índia, África e outros países." (Risos)
5:55Então, após ter passado vários anos nos EUA como uma africana, eu comecei a entender a reação de minha colega para comigo. Se eu não tivesse crescido na Nigéria e se tudo que eu conhecesse sobre a África viesse das imagens populares, eu também pensaria que a África era um lugar de lindas paisagens, lindos animais e pessoas incompreensíveis, lutando guerras sem sentido, morrendo de pobreza e AIDS,incapazes de falar por eles mesmos, e esperando serem salvos por um estrangeiro branco e gentil. Eu veria os africanos do mesmo jeito que eu, quando criança, havia visto a família de Fide.
6:34Eu acho que essa única história da África vem da literatura ocidental. Então, aqui temos uma citação de um mercador londrino chamado John Locke, que navegou até o oeste da África em 1561 e manteve um fascinante relato de sua viagem. Após referir-se aos negros africanos como "bestas que não tem casas", ele escreve: "Eles também são pessoas sem cabeças, que têm sua boca e olhos em seus seios."
7:04Eu rio toda vez que leio isso, e alguém deve admirar a imaginação de John Locke. Mas o que é importante sobre sua escrita é que ela representa o início de uma tradição de contar histórias africanas no Ocidente. Uma tradição da África subsaariana como um lugar negativo, de diferenças, de escuridão, de pessoas que, nas palavras do maravilhoso poeta, Rudyard Kipling, são "metade demônio, metade criança".
7:31E então eu comecei a perceber que minha colega de quarto americana deve ter, por toda sua vida, visto e ouvido diferentes versões de uma única história. Como um professor, que uma vez me disse que meu romance não era "autenticamente africano".Bem, eu estava completamente disposta a afirmar que havia uma série de coisas erradas com o romance, que ele havia falhado em vários lugares. Mas eu nunca teria imaginado que ele havia falhado em alcançar alguma coisa chamada autenticidade africana. Na verdade, eu não sabia o que era "autenticidade africana". O professor me disse que minhas personagens pareciam-se muito com ele, um homem educado de classe média. Minhas personagens dirigiam carros, elas não estavam famintas. Por isso elas não eram autenticamente africanos.
8:20Mas eu devo rapidamente acrescentar que eu também sou culpada na questão da única história. Alguns anos atrás, eu visitei o México saindo dos EUA. O clima político nos EUA àquela época era tenso. E havia debates sobre imigração. E, como frequentemente acontece na América, imigração tornou-se sinônimo de mexicanos.Havia histórias infindáveis de mexicanos como pessoas que estavam espoliando o sistema de saúde, passando às escondidas pela fronteira, sendo presos na fronteira, esse tipo de coisa.
8:53Eu me lembro de andar no meu primeiro dia por Guadalajara, vendo as pessoas indo trabalhar, enrolando tortilhas no supermercado, fumando, rindo. Eu me lembro que meu primeiro sentimento foi surpresa. E então eu fiquei oprimida pela vergonha. Eu percebi que eu havia estado tão imersa na cobertura da mídia sobre os mexicanos que eles haviam se tornado uma coisa em minha mente: o imigrante abjeto. Eu tinha assimilado a única história sobre os mexicanos e eu não podia estar mais envergonhada de mim mesma. Então, é assim que se cria uma única história: mostre um povo como uma coisa, como somente uma coisa, repetidamente, e será o que eles se tornarão.
9:37É impossível falar sobre única história sem falar sobre poder. Há uma palavra, uma palavra da tribo Igbo, que eu lembro sempre que penso sobre as estruturas de poder do mundo, e a palavra é "nkali". É um substantivo que livremente se traduz: "ser maior do que o outro." Como nossos mundos econômico e político, histórias também são definidas pelo princípio do "nkali". Como são contadas, quem as conta, quando e quantas histórias são contadas, tudo realmente depende do poder.
10:11Poder é a habilidade de não só contar a história de uma outra pessoa, mas de fazê-la a história definitiva daquela pessoa. O poeta palestino Mourid Barghouti escreve que se você quer destituir uma pessoa, o jeito mais simples é contar sua história, e começar com "em segundo lugar". Comece uma história com as flechas dos nativos americanos, e não com a chegada dos britânicos, e você tem uma história totalmente diferente. Comece a história com o fracasso do estado africano e não com a criação colonial do estado africano e você tem uma história totalmente diferente.
10:51Recentemente, eu palestrei numa universidade onde um estudante disse-me que era uma vergonha que homens nigerianos fossem agressores físicos como a personagem do pai no meu romance. Eu disse a ele que eu havia terminado de ler um romance chamado "Psicopata Americano" - (Risos) - e que era uma grande pena que jovens americanos fossem assassinos em série. (Risos) (Aplausos) É óbvio que eu disse isso num leve ataque de irritação. (Risos)
11:29Nunca havia me ocorrido pensar que só porque eu havia lido um romance no qual uma personagem era um assassino em série, que isso era, de alguma forma, representativo de todos os americanos. E agora, isso não é porque eu sou uma pessoa melhor do que aquele estudante, mas, devido ao poder cultural e econômico da América, eu tinha muitas histórias sobre a América. Eu havia lido Tyler, Updike, Steinbeck e Gaitskill. Eu não tinha uma única história sobre a América.
11:54Quando eu soube, alguns anos atrás, que escritores deveriam ter tido infâncias realmente infelizes para ter sucesso, eu comecei a pensar sobre como eu poderia inventar coisas horríveis que meus pais teriam feito comigo. (Risos) Mas a verdade é que eu tive uma infância muito feliz, cheia de risos e amor, em uma família muito unida.
12:16Mas também tive avós que morreram em campos de refugiados. Meu primo Polle morreu porque não teve assistência médica adequada. Um dos meus amigos mais próximos, Okoloma, morreu num acidente aéreo porque nossos caminhões de bombeiros não tinham água. Eu cresci sob governos militares repressivos que desvalorizavam a educação, então, por vezes, meus pais não recebiam seus salários.E então, ainda criança, eu vi a geleia desaparecer do café-da-manhã, depois a margarina desapareceu, depois o pão tornou-se muito caro, depois o leite ficou racionado. E acima de tudo, um tipo de medo político normalizado invadiu nossas vidas.
12:57Todas essas histórias fazem-me quem eu sou. Mas insistir somente nessas histórias negativas é superficializar minha experiência e negligenciar as muitas outras histórias que formaram-me. A única história cria estereótipos. E o problema com estereótipos não é que eles sejam mentira, mas que eles sejam incompletos. Eles fazem um história tornar-se a única história.
13:24Claro, África é um continente repleto de catástrofes. Há as enormes, como as terríveis violações no Congo. E há as depressivas, como o fato de 5.000 pessoas candidatarem-se a uma vaga de emprego na Nigéria. Mas há outras histórias que não são sobre catástrofes. E é muito importante, é igualmente importante, falar sobre elas.
13:44Eu sempre achei que era impossível relacionar-me adequadamente com um lugar ou uma pessoa sem relacionar-me com todas as histórias daquele lugar ou pessoa. A consequência de uma única história é essa: ela rouba das pessoas sua dignidade. Faz o reconhecimento de nossa humanidade compartilhada difícil. Enfatiza como nós somos diferentes ao invés de como somos semelhantes.
14:08E se antes de minha viagem ao México eu tivesse acompanhado os debates sobre imigração de ambos os lados, dos Estados Unidos e do México? E se minha mãe nos tivesse contado que a família de Fide era pobre E trabalhadora? E se nós tivéssemos uma rede televisiva africana que transmitisse diversas histórias africanas para todo o mundo? O que o escritor nigeriano Chinua Achebe chama "um equilíbrio de histórias."
14:33E se minha colega de quarto soubesse do meu editor nigeriano, Mukta Bakaray, um homem notável que deixou seu trabalho em um banco para seguir seu sonho e começar uma editora? Bem, a sabedoria popular era que nigerianos não gostam de literatura. Ele discordava. Ele sentiu que pessoas que podiam ler, leriam se a literatura se tornasse acessível e disponível para eles.
14:55Logo após ele publicar meu primeiro romance, eu fui a uma estação de TV em Lagos para uma entrevista. E uma mulher que trabalhava lá como mensageira veio a mim e disse: "Eu realmente gostei do seu romance, mas não gostei do final. Agora você tem que escrever uma sequência, e isso é o que vai acontecer..." (Risos) E continuou a me dizer o que escrever na sequência. Agora eu não estava apenas encantada, eu estava comovida. Ali estava uma mulher, parte das massas comuns de nigerianos, que não se supunham ser leitores. Ela não tinha só lido o livro, mas ela havia se apossado dele e sentia-se no direito de me dizer o que escrever na sequência.
15:32Agora, e se minha colega de quarto soubesse de minha amiga Fumi Onda, uma mulher destemida que apresenta um show de TV em Lagos, e que está determinada a contar as histórias que nós preferimos esquecer? E se minha colega de quarto soubesse sobre a cirurgia cardíaca que foi realizada no hospital de Lagos na semana passada? E se minha colega de quarto soubesse sobre a música nigeriana contemporânea?Pessoas talentosas cantando em inglês e Pidgin, e Igbo e Yoruba e Ijo, misturando influências de Jay-Z a Fela, de Bob Marley a seus avós. E se minha colega de quarto soubesse sobre a advogada que recentemente foi ao tribunal na Nigéria para desafiar uma lei ridícula que exigia que as mulheres tivessem o consentimento de seus maridos antes de renovarem seus passaportes? E se minha colega de quarto soubesse sobre Nollywood, cheia de pessoas inovadoras fazendo filmes apesar de grandes questões técnicas? Filmes tão populares que são realmente os melhores exemplos de que nigerianos consomem o que produzem. E se minha colega de quarto soubesse da minha maravilhosamente ambiciosa trançadora de cabelos, que acabou de começar seu próprio negócio de vendas de extensões de cabelos? Ou sobre os milhões de outros nigerianos que começam negócios e às vezes fracassam, mas continuam a fomentar ambição?
16:46Toda vez que estou em casa, sou confrontada com as fontes comuns de irritação da maioria dos nigerianos: nossa infraestrutura fracassada, nosso governo falho. Mas também pela incrível resistência do povo que prospera apesar do governo, ao invés de devido a ele. Eu ensino em workshops de escrita em Lagos todo verão. E é extraordinário pra mim ver quantas pessoas se inscrevem, quantas pessoas estão ansiosas por escrever, por contar histórias.
17:13Meu editor nigeriano e eu começamos uma ONG chamada Farafina Trust. E nós temos grandes sonhos de construir bibliotecas e recuperar bibliotecas que já existem e fornecer livros para escolas estaduais que não tem nada em suas bibliotecas, e também organizar muitos e muitos workshops, de leitura e escrita para todas as pessoas que estão ansiosas para contar nossas muitas histórias. Histórias importam.Muitas histórias importam. Histórias tem sido usadas para expropriar e tornar maligno. Mas histórias podem também ser usadas para capacitar e humanizar. Histórias podem destruir a dignidade de um povo, mas histórias também podem reparar essa dignidade perdida.
17:55A escritora americana Alice Walker escreveu isso sobre seus parentes do sul que haviam se mudado para o norte. Ela os apresentou a um livro sobre a vida sulista que eles tinham deixado para trás. "Eles sentaram-se em volta, lendo o livro por si próprios,ouvindo-me ler o livro e um tipo de paraíso foi reconquistado." Eu gostaria de finalizar com esse pensamento: Quando nós rejeitamos uma única história, quando percebemos que nunca há apenas uma história sobre nenhum lugar, nós reconquistamos um tipo de paraíso. Obrigada. (Aplausos)
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